Tanta verdade junta mereceu publicação – take XV

(Carlos Marques, 27/08/2022)


(Este texto resulta da resposta a um comentário a um artigo que publicámos de Eamon McKinney ver aqui. Perante tanta verdade junta, resolvi dar-lhe o destaque que, penso, merece.

O comentário, de Paulo Marques, era o seguinte:

“Eu gosto muito que me digam que há um lado onde os capitalistas não são abutres nem oligarcas, mas são muito preocupados com famílias e empresas. É bonito ter fé no capitalismo, uma vez que, ao contrário da pandemia, é um fenómeno natural inevitável.
Não sei o que os convence que há aliados, e não parceiros de conveniência, mas deve alimentar bem não só a convicção, mas a barriga. Afinal, estão preocupados quando é a deles, não é verdade?”

Estátua de Sal, 28/08/2022)


A propaganda começa logo nas palavras. Cá são “empresários”, lá são “oligarcas”. Cá são “democracias liberais” (mesmo quando matam tanta gente, como o apartheid de Israel), lá são pelo menos “regimes” ou “brutais ditaduras” (mesmo que garantam dos melhores níveis de desenvolvimento humano na região comparável, como Cuba). etc.

Ao entrar no debate, em que o “moderador” colocou a questão nestes termos, e o 1º interveniente os repetiu, quando chega a vez do comentador ligeiramente discordante (porque na TV comunista não entra, e quem não repetir a propaganda do regime é “populista” ou “putinista”), já não consegue usar outras palavras, é forçado a jogar no campo adversário com as chuteiras sem pitons.

Já não há trabalhadores, há “colaboradores”. Já não há patrões, há “CEO”. Os lucros são uma “virtude”, os salários (de quem fabricou o produto e criou a riqueza) são um “custo”. A soberania é “má” porque *ai ai o Orbán*, a violação da nossa Constituição e obediência a NÃO eleitos é “boa” porque *ai que bom vem de Bruxelas ou de Frankfurt*.

O gás Russo é uma “dependência”, o petróleo saudita é “verde”, bastando para isso ter uma tachinha extra ou entrar num qualquer “mercado de carbono”, que é um eufemismo para: quem acredita nisto é estúpido que nem uma porta, e se a maioria continuar a acreditar, o NeoLiberalismo continuará rei e senhor, como se tivesse sido já o fim da história.

Não é que a Rússia ou a China não sejam Capitalistas, mas há diferentes formas e níveis de Capitalismo. Há o de Capitalismo de Estado, o mais industrializado, o regulado e soberano, o (re)produtivo. Pode-se ter um SNS, uma Escola Pública, um sistema de pensões asseguradas. O Estado pode planear isto e aquilo até certo ponto. Ou pelo menos definir objectivos e promover certas áreas.

Ou então há aquilo que o Ocidente tem para impor à força, via troikas, austeridades, TINAs, sanções, e guerras. Não há plano, há cada vez menos Direitos, não há soberania nem regulação, o especulador decide, o “governador” obedece, e o povinho baixa a bolinha. Estou a descrever o Portugal de agora, ou o Portugal pré-1974? Já nem dá para distinguir bem…

Igualdade? Desenvolvimento Humano? Distribuição e redistribuição? O que é isso?! Não está no dicionário do lobby da Uber, Google, Santander, Raytheon e companhia. E se certos partidos “irresponsáveis” se atreverem a fazer frente ao estado a que isto chegou outra vez, toda a activar a maior máquina de propaganda e manipulação da história, e dar “maioria” de 41% àqueles que sabem bem obedecer à “iniciativa” certa.

Queres melhor saúde? Toma lá um sub-financiamento crónico propositado.
Queres uma carreira? Toma lá uma cativação, e 500 horas extra, e não te queixes.
Queres investimento? Toma lá um ajuste directo para a negociata do amigo/conhecido.
Queres menos impostos? Toma lá um seguro que é para pagares o dobro.
Estás com pressa? Toma lá uma lista de espera.
A coisa está preta? Toma lá uma urgência fechada.
O quê? a Esquerda tem soluções baseadas nas ideias de Arnaut? Isso é “irresponsável”! Vamos antes para eleições!

E nas eleições, o que é que o povinho faz? Junta-se em rebanho para votar no lobo com a falinha mais mansa. E não é só cá. Nunca é só cá. A ignorância em massa, e a necessidade de pertencer (votar no que pode ganhar em vez de arriscar ser diferente), falam mais alto em todo o lado. O colectivo é histérico, estúpido, e suas emoções facilmente manipuláveis. Está cansado demais depois do trabalho. Vai comer tudo o que a Manipulação Social lhe der a comer no “noticiário” das 20h.

Se for preciso, até se consegue convencer a maioria que uma invasão dos EUA é “democracia” e que uma suástica tatuada é símbolo de “liberdade”. Que um adolescente na Palestina é um “terrorista”, e que os cereais em Odessa são para “matar a fome em África”. Que entregar refugiados a quem os persegue são “valores europeus”, e que o Putin está em simultâneo a ocupar com tropas e a bombardear a mesma central nuclear.

Vejam só que até convenceram a maioria de que o €euro é uma coisa boa. Realmente, quando a palha é boa e há tanto burro, tudo é possível. Portugal não aumenta o seu PIB/capita em valor real (descontando o deflator) desde 2007. Não converge com a média da Europa desde 2000. Está endividado até ao pescoço em todas as dívidas: privada, pública, e externa. Desde os anos 80 que não havia tantos pobres: 4.4 milhões (antes de apoios sociais **). Podia ser pior, diz um propagandista rosa, olhando para os 4.9 milhões em 2013… Trabalha-se para ser pobre. Vai tudo corrido pelo valor do salário mínimo. E ainda há o descaramento de dar uma ajuda aos empresários devido ao “aumento” anual. Poder negocial? Sindicalismo? Contratos colectivos? Nem vê-los! Isso são coisas da Esquerda “sectária” e “extremista”.

**
https://www.pordata.pt/Portugal/Taxa+de+risco+de+pobreza+antes+e+após+transferências+sociais-2399

E agora temos de empobrecer ainda mais. Dizia uma agente do Pentágono… quer dizer, uma comentadora na CIA… quer dizer, na CNN: “temos que perceber que é preciso este esforço”.
É preciso? Para quem? Para quê? É só records de lucros por todo o lado! Armas, armas, e mais armas. “Temos” que passar frio e fome, austeridade e desigualdade, tudo para que mais um tatuado com uma suástica receba o seu HIMARS que *ai ai tão bom que é, todos temos de saber que é tão bom* – sponsored by Lockeed Martin. Made in USA.

Os países inteiros são “ditaduras”. Os países destruídos são “democracias”. A resistência dos invadidos é “terrorismo”. Os crimes de guerra dos invasores são… não são nada. E ai de quem sequer falar neles. Será silenciado com dólares, ou com cassetetes. Quem faz um Assange, faz dois ou três. E se andarem onde não devem, ops, lá vai uma “bala perdida” para a cabeça da Shireen Abu Akleh.

E lá continuam eles com a propaganda que começa nas palavras: não é apartheid, é “única democracia liberal do Médio Oriente”. Não é terrorismo económico que mata crianças à fome, são “sanções para castigar os Talibã. Não é roubo colonial, é “operação militar especial de tropas da defensiva NATO para garantir o petróleo e os cereais da malvada Síria”. Não é racismo sistémico, são “forças da ordem que têm de nos salvar de terríveis criminosos colocando um joelho no seu pescoço”. Não é invasão NAZI em violação de acordos de PAZ contra civis do Donbass 9 dias antes da Rússia ter de intervir, é “defesa da democracia Ucraniana contra os separatistas pró-Russos”. E não é massacre de refugiados escuros na fronteira de Espanha, é “um sucesso do aliado Marrocos”.

Eles bem tentam, e infelizmente com elevadas taxas de sucesso, mas não é possível enganar toda a gente o tempo todo. Depois, eles comem tudo e não deixam nada, e mandam-nos comer brioches caso nos falte o pão. Se tentarmos a revolução pacífica, eles vão chamar-lhe “poder caído na rua”.

Se nos sentarmos no chão e a polícia disparar balas de borracha e nos tentar atropelar, vão-lhes chamar “forças da ordem” a nós nos chamarão “violentos arruaceiros” (aqui estou a citar a RTP em relação à Catalunha). Vão querer ainda mais para os ricos e ainda menos para os pobres, e chamar-lhe “a new era of sacrifices and the end of abundance” (agora cito Macron, o tira-olhos dos coletes amarelos). Já não dá para aguentar mais. Queriam um Great Reset, mas acho que vão é ter uma Great Guillotine. Totalmente provocada e justificada. Tal como a intervenção Russa.


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3 pensamentos sobre “Tanta verdade junta mereceu publicação – take XV

  1. Foi-me dirigido, mas não sei porquê. Se a discordância é sobre a bondade do governo e elite russa para com o(s) povo(s), falta mais do que a possibilidade. Se fosse só ter soberania e palavras, o Brexit tinha corrido como uma maravilha. Quanto ao materialismo, se isso chegasse, Putin não é Xi.
    Podia dizer que Putin sempre é mais directo sobre sub-humanos, mas nem isso, só tem menos oposição. Nem o alvo varia muito. E aliados como Kadyrov ou Lukashenko dizem muito.
    Quanto ao ocidente, nada a dizer, é o que é. Excepto que não vai haver guilhotinas para ninguém; havendo mudanças, não é para a esquerda que foi cedendo, é para a direita nacionalista (no mau sentido) e corporativista com alvos internos do costume. Nisso pode não ter lições a dar, mas era a maior vitória que podia ter, arriscando-se a que seja entregue de bandeja.

    • Não foi só dirigido a si. Simplesmente li o texto na EstátuaDeSal, depois li o seu comentário, comecei a responder, e fui por ali fora, escrever e desabafar sobre o assunto e divagar sobre outros.

      Obviamente uma crítica a um regime não é um elogio a outro regime. Até porque não existe só Europa de um lado e Rússia do outro. EUA de um lado e Cuba do outro. Há muita coisa pelo meio, umas já feitas na prática, outras teorias utópicas.

      Quanto a Lukashenko, sinceramente já nem sei. É mesmo um ditador, ou está a usar a força para evitar que o seu país vire uma Ucrânia 2.0 devido à interferência dos fascistas/imperialistas/genocidas dos EUA?
      O Ocidente também tem a mania de chamar “ditador” mesmo a quem não é.De fazer golpes. De expandir o seu império. De matar povos à fome só para “mudar o regime”.

      E se o Yanukovich tivesse tido mais autoritarismo para travar o golpe NAZI disfarçado de EuroMaidan? Hoje a Ucrânia continuaria a ser uma Democracia em paz, mas no Ocidente ia ser chamado de “ditador putinista” tal como Lukashenko.

      As coisas não são a preto e branco, e raramente as lições de moral da “Democracia Liberal” resultam na melhoria de vida dos povos afectados.
      Por exemplo, não tenho dúvida que hoje o Iraque e a Líbia estariam muito melhor sem as “operações especiais” de mudança de regime. Ditadores ou não, Saddam e Gadhafi seriam sempre melhores que um país destruído pela “democracia” USAmericana, e pelo extremismo que ocupou o poder e o território nos tempos seguintes.

      E se também na Bielorússia a opção for esta? É por isso que na política externa não se medem ideologias. Medem-se pragmatismos e realismos. Mas o povinho ocidental tem a cebeça completamente lavadinha a este respeito…

      Até a Arábia Saudita, um brutal ditadura que se farta de matar opositores, e Iemenitas, tem que se lhe diga. Se o Ocidente lá fizesse uma das suas “operações especiais”, tipo “tempestade no deserto”, em vez do Muhamed Bin Salman (que faz Lukashenko parecer um Santo), saíam de lá meia dúzia de Bin Ladens… ou um Super Estado Islâmico.
      O que é melhor?
      Mas enquanto comprar armas à NATO e vender petróleo à Europa, está “tudo bem”, a questão nem se coloca.

      Quando ao Kadyrov, digo algo diferente. Não se é bom ou mau viver na Chechénia dele, admito a minha ignorância sobre o assunto. Sei é que agora há lá paz onde antes havia terrorismo islâmico, e gosto muito de o ver nos territórios libertados do Donbass a começar a fazer o mesmo para esse povo Ucraniano anti-Maidan, finalmente livre dos NAZIS derrotados pelos bravos Chechenos.

      Era melhor não haver guerra mas, havendo (e foi a Ucrânia quem a começou 3 vezes, e os EUA/NATO quem recusou o seu fim, e a minha opinião só é compreensível sabendo estes factos) mais vale ser assim, do que ser a alternativa: militares da ditadura Ucraniana e milícias NAZIS a ocupar em definitivo o Donbass e a concluir a limpeza étnica re-iniciada a 16-Fevereiro-2022.

      E já agora, entre estar numa “ditadura da burguesia” ou numa “ditadura do proletariado”, também tenho cada vez mais dúvidas. Eu admiro a Social-Democracia de Modelo Nórdico com Sistema de Ghent. Mas, e se esse ideal não for possível noutros locais. E se o povo de um país quiser algo completamente diferente?
      As coisas não são a preto e branco, e os Ocidentais têm de perder a mania de achar que dão lições de moral a alguém ou que têm um regime minimamente exemplar.

      *Ah e tal a Ucrânia pode entrar na NATO se quiser, e ninguém tem nada a ver com isso*
      Experimente ir ter com que diz isto, e perguntar-lhes se Portugal tem sequer o Direito a pedir para iniciar a re-negociação da dívida, a saída do €uro, a saída da NATO, ou a re-nacionalização dos monopólios naturais da REN e ANA, e ainda os CTT. Ou deixar cair um banco (obviamente assegurando os depósitos) em vez de resgatar as “imparidades” dos seus maiores devedores…
      De repente, o disco muda logo de música… E afinal os países só podem fazer “o que lhes apetece” se isso estiver de acordo com a vontade dos donos disto tudo.
      E chamam-lhe “democracia liberal”…

      Ou experimentem sequer perguntar se Portugal tem o Direito de cumprir a sua própria Constituição…
      NEM ISSO!!! Diz que é “demasiado Marxista”… E a saúde, para ser um negócio, não pode ser um Direito…
      Ou perguntem a um residente de Portalegre como é viver num regime de partido único? Caso não saibam, com 40% da votos o PS elege 100% dos 2 deputados desse círculo eleitoral. Os restantes 60% dos votos elegem ZERO, são atirados para o lixo.
      Alguém se preocupa com este problema? Não.

      Mas depois acham que têm legitimidade moral para escolher um Presidente golpista não eleito para a Venezuela.
      Onde é que aquele país (e outros) ia parar se de vez em quando não fosse mais autoritário para impedir golpes e interferências externas?
      É que Pinochet não chegou ao poder sozinho. Se calhar o Chile, se tivesse um Maduro ou um Castro, nunca teria sido uma brutal ditadura fascista, daquelas que “os mercados” gostam muito, e a cujos crimes os “democratas” Ocidentais fecham os olhos, enquanto houver business as usual.

      É por tudo isto e muito mais, que eu vejo com bons olhos o fim da actual ordem mundial. Se o devemos a Putin ou a Xi, só o posso agradecer, sem com isso fazer qualquer julgamento, bom ou mau, quanto aos seus regimes e aos vizinhos com quem se dão bem.
      Mesmo que na nova ordem mundial multipolar haja tantas ditaduras como agora, isso será melhor, pois pelo menos haverá (em teoria) menos interferência externa, menos golpes, menos imposições, a partir dos ladrões Ocidentais, que abrem uma garrafa de champanhe por cada bala vendida a Israel para matar Palestinianos, ou cada míssil vendido à Turquia para matar Curdos, e sabem que a negociata acabava se o Direito Internacioal fosse cumprido.
      Essa é que é essa!

      Soberania não é garante de Democracia e de soluções para tudo, diz muito bem. Mas sem soberania, de certeza absoluta que não há Democracia nem solução para os problemas dos povos.
      S é necessário, fundamental, para haver D. Mas a existência de S não garante D.
      Matematicamente falando, é isto.

      Num exemplo prático: a Soberania seria fundamental para Portugal vir a ser uma Democracia Plena. Mas ser Soberano, não garante que seja esse o caminho escolhido.
      Por exemplo, só com Soberania é que Portugal poderia recusar a violação da sua própria Constituição e deixar de censurar canais de TV (como a RT).
      Mas a Soberania não seria garante disso. Poderia até ser usada para fazer pior, como a Hungria e a Polónia.

      Agora de uma coisa eu tenho a certeza: gosto de ter o Direito de decidir, não gosto de imposições, muito menos vindas de não-eleitos. Por isso, os meus valorea democráticoa tornam-me incompatível com o Globalismo em geral, e com o €uropeidismo em particular.
      E esta é mais uma das razões pelas quais admiro os regimes Nórdicos: 4 dos 5 decidiram manter as suas moedas nacionais.
      Comparado com isso, qualquer país na Zona €uro é uma brutal ditadura, em que a opressão recebe o nome eufemístico de “regras do €uro”, e onde ao FASCISMO se passou a chamar “liberalização das leis laborais”.

      A mim, isto dá-me voltas ao estômago! Se depois os Russos isto e os Chineses aquilo, etc, isso é lá com eles. Com o mal dos outros posso eu bem. As minhas críticas políticas são apontadas ao que me prejudica na pele.
      Primeiro olho o “meu” regime ao espelho. E depois… E depois nada! Temos esqueletos a mais no armário para andar a dar postas de pescada sobre os regimes dos outros. Muito menos quando o “nosso” Ocidente tão bem se dá com 3 dos mais brutais e sanguinários regimes de sempre: EUA/NATO, Israel/Apartheid, e Arábia Saudita/Estado Islâmico original.

      • Com algumas discordâncias menores, até porque nas incógnitas, ando por aí.
        Mas só um pormenor, ou nem tão menor: a ditadura do proletariado tinha o significado explícito de empoderar os trabalhadores em conjunto para destruírem as estruturas de origem burguesa, sendo assim sempre temporária pois ela própria estaria na lista. Se é possível ou credível, até porque há mais 200 anos de história, conhecimento, e experiências, é uma coisa, mas não significava a ditadura (das elites) do partido, como veio a acontecer.

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